Considerada na época de sua inauguração em 1957 "uma sede de sociedade das mais notáveis no gênero no País", a sede social da SAT - Sociedade Amigos de Tramandaí, no município do litoral norte gaúcho, foi certamente uma das edificações mais relevantes e expressivas da arquitetura moderna no Estado.
Projetada pelo então novato Arq. Nestor Hamlet Hilgert, integrante da construtora Tedesco, utilizava-se do vocabulário da arquitetura moderna carioca, usando curvas e planos inclinados com segurança e maestria. Localizada inicialmente sobre dunas, logo a cidade cresceu e encontrou a sede social da SAT, localizada na avenida da Igreja, uma das mais importantes do local, ligando o centro a orla marítma.
Hilgert traduziu como nenhum outro o espírito de uma época, expressando a grandiosidade e opulência que as sociedades litorâneas alcançaram no seu auge.
Impondo-se respeitosamente na esquina que sempre ocupou desde sua inauguração, marcada pelo totem de uma garça revestido em pedras, moradores e veranistas assistiram estupefatos à derrubada impiedosa de mais da metade da sede social da SAT no ano de 2013. Daria lugar a uma torre de apartamentos. Através de forte movimentação contrária a derrubada, com o apelo da sociedade civil e entidades, a demolição foi embargada por alguns meses. A abertura de uma ação civil pública pelo Ministério Público Estadual através de denúncia da oscip Defender, do SAERGS e de arquiteta do local, garantiu tempo para os laudos necessários e discussões.
Mas apesar de um claríssimo laudo técnico emitido pelo IPHAE-RS onde deixava claro a importância cultural do prédio e a necessidade de reconstituição da parte destruída, e da manifestação de mais cidadãos e entidades, entre elas o Docomomo e o Conselho Estadual de Cultural, o promotor local assinou sem consulta técnica adequada um "acordo" entre as partes - nada mais do que o próprio arquivamento do processo, o que resultou na demolição final do prédio e no início da construção das famigeradas torres de apartamento.
Ou seja, assinou a perda definitiva de um grande patrimônio cultural do Rio Grande do Sul. Mais uma relíquia cultural que não soubemos reconhecer a tempo.
Fontes:
Jornal Correio do Povo 17 de janeiro de 1957
site Defender.org.br - foto autoria A. Huyer
sexta-feira, 30 de maio de 2014
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Porto Lucena (RS) e as sedes de colônia projetadas no RS
O último período das colonizações do Estado do Rio Grande do Sul - as ditas "colõnias novas" - foi marcado pela
alteração da instância de financiamento e gestão do projeto de colonização. A
partir de 1890 o Estado passa a ter atribuições mais amplas em relação a União
e, em meados de 1895 a União passou gradativamente a diminuir os subsídios
econômicos para financiamento das colonizações, sendo que em 1897 deixaram definitivamente de ser incumbência da União e passaram a ser
responsabilidade exclusiva do Estado (PELLANDA, 1924, p. 15).
O Estado criou
então a Diretoria de Povoamento do Solo e respectiva Inspetoria, que mais tarde gerariam a "Diretoria de Terras e Colonização", criada especificamente para tratar da questão colonial.
Entre as tantas atribuições desta Diretoria, esteve a gestão e o planejamento das colônias novas, através dos núcleos regionais denominados Comissão de Terras.
Das povoações planejadas pela Secretaria de Obras Públicas, a pedido da Diretoria de Terras e Colonização, algumas não chegaram a ser implantadas, como a sede definitiva de Santa Rosa.
Outras, como a de Porto Lucena foram executadas, ainda que parcialmente. Planejado pelo Eng. C. Torres Gonçalves em 1918, às margens do Rio Uruguai, este plano urbano tinha como elemento marcante a praça rotacionada em relação a malha e o arruamento radial que dela derivava.
Originalmente pertencente à Colônia Guarany, Porto Lucena é hoje município e tem no seu traçado urbano preservado um interessante patrimônio cultural, revelador de um período histórico do Estado.
FONTES: PELLANDA, Ernesto. Colonização Germânica no Rio Grande do Sul 1824-1924. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1924.
Imagem - Acervo do AHRS - Arquivo Histórico do RS
quarta-feira, 7 de maio de 2014
Sapiranga - A Casa Tombada não pode tombar
A Casa Tombada de Sapiranga corre o risco de, literalmente, tombar. Único imóvel reconhecido oficialmente como patrimônio cultural num município que ainda guarda em seu território centenas de edificações de valor, a antiga Casa de Johann Schmidt, ou Atafona Schmidt, conhecida pela alcunha de casa tombada, encontra-se em acelerada degradação, com a perda de parte do seu telhado.
A edificação é uma das estruturas enxaimel estudadas pelo arquiteto Günter Weimer no seu livro Arquitetura Popular da Imigração Alemã. Segundo este estudo, a atafona teria sido construída em meados de 1870, sendo por muito tempo um dos mais importantes centros produtores de farinha de mandioca da região. Esta porção correspondente a atafona, anexa aos fundos da casa, foi demolida há algumas décadas. A casa, correspondente ao volume frontal, aparenta ter sido construída ainda anteriormente- o imigrante estabeleceu-se no local em meados de 1840.
Com o desmembramento da gleba e loteamento da área, a casa foi preservada, sendo repassada para a propriedade da Fundação Cultural e de Meio Ambiente de Sapiranga. A municipalidade efetuou o tombamento municipal e, há cerca de uma década, realizou uma obra recuperativa.
Nos últimos anos o espaço foi sendo gradualmente abandonado, deixando de servir para atividades culturais. Sem uso, o local acabou desaparecendo do imaginário das novas gerações. Curiosamente, foi justamente o vigamento roliço de eucalipto utilizado na última obra recuperativa para substituir peças comprometidas do telhado que desabou. A estrutura enxaimel resiste, fragilizada.
A atual gestão da Fundação proprietária do imóvel assumiu este mês e articula-se para reverter o quadro de abandono, recuperando a casa e retomando as atividades culturais. No dia 01 de Junho está marcado um ato público no local, incluindo um abraço coletivo, que pode ser o início simbólico da trajetória pela restauração da casa. Espera-se grande envolvimento da sociedade nesta causa, afinal, a participação e interesse da sociedade é a única forma de viabilizar a recuperação do espaço e garantir sua continuidade.
A Catedral de Vacaria e a descaracterização do patrimônio cultural religioso do Estado
O que restará do patrimônio cultural gaúcho no que tange à decoração interna dos templos religiosos?
No que depender da ingerência atual e da ausência de tutela do patrimônio, nada.
A reforma interna da catedral de Vacaria, cujas obras continuam a todo vapor apesar dos inúmeros e bem fundamentados apelos da comunidade, tem se destacado como um caso exemplar desta problemática.
Fica e exposta a completa arbitrariedade a que estão sujeitos os bens tombados apenas a nível municipal - uma vez que os municípios não mantém em seus quadros profissionais com conhecimento específico em conservação e restauração que possam orientar minimamente estas obras, e há omissão geral em submeter-se a ação fiscalizadora do Estado e União como impõe a Constituição.
Também ficam claras consequências graves da falta de educação patrimonial inserida nos currículos das escolas, uma vez que a sociedade segue ignorando o que seja tombamento, restauração e a importância sócio-econômica do patrimônio cultural.
Pinturas murais, escaiolas, ladrilhos hidráulicos, estuques, imagens sacras antigas - detalhes singelos ou requintados das arquiteturas pretéritas, tem sido sistematicamente substituídos por um historicismo cafona, cheio de relevos em gesso e douraturas falsas. Perde-se completamente a ambientação e harmonia dos ambientes, o que parece ser o caso da bela catedral vacariense, cujas colunas internas já foram descaracterizadas com uma nova pintura de questionáveis valores estéticos.
A deformação é muitas vezes irreversível, e deixa a sociedade sem referências coerentemente preservadas da arte sacra. Esperamos que a reforma da Catedral de Vacaria seja paralizada - enquanto há tempo de avaliar corretamente a conservação e restauração de seu conteúdo histórico - e que as descaracterizações possam ser minimamente revertidas. É a única forma de indenizar a sociedade pela perda irreparável, uma vez que boa parte da agressão já foi consumada.
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